sábado, 17 de abril de 2021

QUEM FOI O CEGO CANTADOR DE CARNAÍBA (PE)?

 Alexsandro Acioly é Historiador e Membro-Fundador do CPDoc-Pajeú

Email: acioly.alex@gmail.com

Que Carnaíba é a terra do saudoso Zé Dantas, parceiro do eterno rei do baião, Luiz Gonzaga, acho que o Brasil e o mundo inteiro sabem disso. Que Carnaíba é considerada a terra da música, mesmo havendo algumas ressalvas, milhares de pessoas sabem. Que Carnaíba tem uma Orquestra Filarmônica Centenária, da qual emanaram músicos maravilhosos, e que ainda hoje, continuam a permear o Sertão do Pajeú com novos talentos, poucos sabem.

Agora, que um dos grandes cantadores que existiu lá pelo final do século XIX na região do Pajeú, era fruto deste celeiro musical, creio que pouquíssimas pessoas saibam.

Estou falando de “Antônio Açudinho”, natural do Pajeú das Flores, mais precisamente da Villa de Carnaíba, ou até mesmo da Fazenda Carnahyba, sendo ainda desconhecida a data do seu nascimento e de sua morte.

Lendo a belíssima obra (trilogia) do moxotoense, Ulysses Lins de Albuquerque, tive o prazer de conhecer um pouco da história desse pajeuzeiro que, segundo o autor, foi um dos maiores cantadores que ele já viu cantar, sendo os seus versos e improvisos perfeitamente admiráveis.

Açudinho, além de analfabeto também era cego, cegueira esta causada pela picada de uma cobra Jararaca. Ulysses Lins frisa muito bem em um dos seus livros a inteligência e a memória gigante que tinha o velho cantador.

No livro, Moxotó Brabo, o segundo dessa trilogia, Ulysses descreve uma das maiores pelejas de Açudinho, fato ocorrido na povoação de Custódia por volta do ano de 1900 entre ele e outro cantador vindo de Caruaru, no agreste pernambucano. Esta cantoria teve a presença do Padre Frutuoso Rolim, da paroquia de Pesqueira, mas que havia ido celebrar a missa em comemoração ao padroeiro da cidade, São José.

Segue abaixo, quatro sextilhas desse desafio entre Açudinho e Ferreirinha:

A – Meu colega Ferreirinha,                                                             

       Seja bem-vindo a esta terra,

       Mas me diga se é de paz,

       Ou se tem intenções de guerra,

       Pois eu preciso avisar

       Os meus caboclos da serra.

F – Muito obrigado, Açudinho,

       E consista que o saúde.

       Mas você fala com um homem

       Que a ninguém no mundo ilude;

       Eu venho aqui de bem longe,

       Só conhecer seu açude.

A – Pois assim somo amigos,

       E eu lhe trato com carinho,

       E agora estou satisfeito

       Porque não canto sozinho;

       Porém quanto ao meu açude,

       Não passa de um açudinho.

F – Açudinho isto é modéstia,

      Pois não se pode negar

      Que ele na boca do povo

      Parece um braço de mar;

      Mas com toda essa grandeza,

      Nele eu quero mergulhar.

 

Cantoria de Viola. Xilogravura de J.Borges.

 

 Claro que a peleja não ficou só nisso, provavelmente estendera-se durante toda a noite.

Açudinho talvez tenha sido um desses menestréis que foram esquecidos pelos seus contemporâneos, pois pouco se fala nesse velho repentista e cantador de histórias. No livro, Certo Jó, de autoria de Alberto da Cunha Melo, este cita uma lista de cantadores onde aparece o nome de Açudinho, mas infelizmente, não há a data de nascimento, morte ou até mesmo a sua naturalidade. O certo é que ele existiu e foi apagado da lembrança de alguns pajeuzeiros e moxotoenses do nosso sertão pernambucano, pois raros são os relatos à respeito desse cantador que encantou o Pajeú e o Moxotó com suas belas pelejas.

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