domingo, 19 de fevereiro de 2023

Pajeú ou Pajaú? Uma questão de justiça histórica.

 

Lindoaldo Campos

Mestre em História dos Sertões (UFRN)

Membro do CPDoc-Pajeú

 

Nada como um bom livro, principalmente se for um dicionário.

É aí onde a gente fica sabendo que

 

ü Carnaíba é pronúncia derivada de carnaúba, planta espinhosa[i]

ü Iguaraci significa sol[ii]

ü Ingazeira significa planta que dá frutas cheias d’água’[iii]

ü Itapetim significa laje branca e enxuta[iv]

ü Quixaba significa pouso, lugar de dormir[v]

ü Tabira significa pedra (ou tronco) em pé[vi]

ü Tuparetama significa “Terra de Deus – o céu”[vii]...

 

 

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Sertão de Xukuru: Para um mapa da possível Terra Indígena Xukuru no final do séc. XVII

Lindoaldo Campos

Mestre em História dos Sertões

Membro do CPDoc-Pajeú

 

 A atual Terra Indígena Xukuru do Ororubá[i] localiza-se, a 215 km da capital Recife, nos municípios pernambucanos de Poção e Pesqueira. Foi demarcado em 2001, possui 27555 hectares e compõe-se de 24 aldeias distribuídas em três regiões geográficas: a Serra (brejo de altitude com mais abundância de água), o Agreste (região mais seca em torno da atual aldeia Vila de Cimbres) e a Ribeira (cortada pelo Rio Ipojuca)....

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domingo, 12 de fevereiro de 2023

Babeco das Umburanas: Poetas indígenas Xukuru de Caramucuqui (segunda parte)

 

Lindoaldo Campos

Mestre em História dos Sertões (UFRN)

Membro do CPDOC-Pajeú

 

O primeiro poeta do Alto Sertão do Pajeú de que se tem notícia é Bernardo Nogueira de Carvalho, nascido em 1814 (registrado em Flores/PE, à época sede da Comarca do Sertão[i]) no Sítio Mulungu (próximo ao povoado Olho D’Água, entre São José do Egito/PE e Itapetim/PE) e que foi residir na vizinha cidade de Teixeira/PB atraído pela fraterna amizade a Nicandro Nunes da Costa[ii] (filho de Agostino Nunes da Costa Júnior (Santa Luzia/PB, 1797 – Teixeira, 1849[iii]), o primeiro poeta conhecido no Nordeste e pai dos também poetas Nicodemos Nunes da Costa e Hugolino Nunes da Costa).

Bernardo Nogueira era glosador, ou seja, poeta que improvisa sem o acompanhamento de instrumento – diferentemente do violeiro, que, à evidência, usa uma viola para improvisar seus versos, caso de Antônio Marinho do Nascimento (São José do Egito[iv], 1887 – 1940), que, como tive o cuidado de assinalar no final do texto anterior, é o precursor dos cantadores do Alto Sertão do Pajeú.

Isso porque na vizinhança de Marinho moravam os três irmãos Bernardino de Oliveira: Joaquim, José e Amaro, filhos de Manoel Bernardino de Senna, mestre-escola (em termos atuais correspondente a professor do Ensino Fundamental) que, “com estágio acima do primário [...] costumava preparar culturalmente seus filhos” e eles se tornaram grandes repentistas. Porém, “todos tinham a cantoria como atividade suplementar [enquanto Marinho] foi o primeiro a cantar profissionalmente”[v] – aliás, labuta que só foi reconhecida como atividade trabalhista através da Lei 12.198/2010, sancionada pelo Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva.

Isso foi em 1911 (portanto, quando já tinha 23 anos de idade!), como consta de trova afixada (mas depois retirada!) no busto erigido em sua homenagem por iniciativa de seu conterrâneo o poeta, jornalista e pesquisador Rogaciano Leite e inaugurado em 6 de janeiro de 1950, em meio à tradicional Festa de Reis[vi]:

 

Em novecentos e onze

Tremulou meu estandarte

Quando este peito de bronze

Deu início a esta arte

 Nessa ocasião Marinho enfrentou Manoel Clementino Leite (Sumé/PB, aprox. 1887), que tinha a mesma idade mas já era experimentado como “aluno” de Romano do Teixeira (1835 – 1891)[vii] e por sua vez atuava na região como “professor” de cantoria, pois “o velho Manoel Clementino Leite [era] nascido em Sumé, mas de família de Itapetim e São José [do Egito]”[viii].

Outro “aluno” de Mestre Manoel Clementino que se destacaria foi Severino Lourenço da Silva Pinto (Pinto do Monteiro) (Monteiro/PB, 1895 – 1990) e, após a conclusão do “fundamental”, o destino de Marinho e Pinto foi o mesmo: Recife/PE, onde Pinto “adquiriu renome e ficou temido por todos os cantadores”[ix] e Marinho passou pelo “batismo de fogo” com José Galdino da Silva Duda (Zé Duda do Zumbi) (Itabaiana/PB, 1866 – Recife/PE, 1931), a quem “quase todos os cantadores contemporâneos chamam de Mestre dos Cantadores”[x].

O que isso tem a ver com os “babecos” das Umburanas? Ora, essa “questão” foi levantada em uma das mais afamadas cantorias de que se tem notícia, entre Marinho e Pinto no Mercado Público do então povoado de Prata/PB (atual Município de Prata/PB), há quase 100 anos, precisamente em 1º de maio de 1926.

Foi quando, ampliando em lonjura e fundura a troca de “gentilezas”, Marinho passou da sextilha ao estilo (não à toa) conhecido como martelo e “pregou” a “família” de Pinto:

 

Do pinto eu acabo a raça

Mato a galinha de gôgo

Boto gás e boto fogo

Ela se vai na fumaça

O gato-mourisco passa

Frangos e frangas carrega

O gavião desaprega

Sem saciar seu instinto

Matando o que é de pinto

O galo a raposa pega

 

Sem sair da temática, em sua resposta Pinto “apura a qualidade” de Marinho através de alusões a uma das proveniências familiares de seu adversário:

 

Já que me deste o motivo

Preciso avisar a tu

Se eu for ao Pajeú

Não deixo um babeco vivo

Eu sou um vulcão ativo

Com a sua lava ardente

Vou queimando tua gente

A tudo dou descaminho

Quem pertencer a Marinho

Não fica um pra semente


 

No quarto verso dessa décima Pinto alude aos “babeco”, denominação com que, como disse na primeira parte desse texto, alguns referem-se às pessoas nascidas no Município de Itapetim/PE com o sentido pejorativo de primitivo, atoleimado, e Pinto assim o usa para se referir à família de Marinho, como Rogaciano Leite registra ao comentar esse verso:

 

Babeco: apelido pejorativo da família de que descendia Marinho.[i]

 

Ora, Rogaciano só fez essa afirmação porque conhecia muito bem Marinho, pois foi após assistir a uma cantoria desse poeta que em 1934 fugiu de casa para acompanhá-lo por pelo menos 5 anos[ii].

Alem disso, adiante e decerto sem conhecer essa afirmação de Rogaciano (dentre razões porque publicada em revista paulistana cuja circulação certamente não alcançava os sertões do Nordeste brasileiro), outro poeta e pesquisador que também apontou essa proveniência familiar de Marinho foi José Marcolino Alves (Zé Marcolino) (Sumé/PB, 1930 – Carnaíba/PE, 1987):

 

[Antônio Marinho] descendia dos Babecos das Umburanas, hoje Itapetim, e da família Bernardo, de Ouro Velho.[iii]

 

Não bastasse, Ivo Mascena Veras, biógrafo de Marinho, transcreveu essa afirmação de Zé Marcolino no capítulo sintomaticamente intitulado Os babicos de seu livro Antônio Marinho: precursor doa repentistas de São José do Egito e imediatamente a seguir arrematou:

 

Babeco, do Babicos, índios desgarrados da tribo dos Xucurus de Teixeira.[iv]

 

Não se dando por satisfeito, noutro parte Ivo Mascena Veras reitera que “Marinho era de família dali [de Umburanas] (os babecos) [...] Antônio Marinho, rebento dos Babecos ou Babicos das Umburanas” e arremata:

 

    Pelo que vemos, Marinho está mais para índio do que para português. Em sua caminhada por estradas e dias difíceis de sua vida, nunca se deixou escravizar. Eu creio que igualmente o indômito Pajeú tenha herdado do índio esse apreço acima do comum aos postulados de Liberdade. Essa maneira de ser pobre, porém livre e soberano. Essa inteligência perscrutadora que vive sempre a abrir novos caminhos e nunca se perder nos já existentes [...]

Os Babecos, Babicos, “índios das umburanas, terra dos lagos de pedra”, a que chamávamos tanques.[v]

Antonio Marinho do Nascimento

Fonte: Blog Mala de romances

Disponível em: http://maladeromances.blogspot.com/2017/01/do-grande-poeta-antonio-marinho.html

Mas isso não é tudo: ao comentar o referido verso de Pinto, o pesquisador Raimundo Araújo assinala (aliás, em conformidade com as narrativas locais sobre as características físicas dos “babeco”):

 

Babeco, uma índia dos pés enormes, de Umburanas, e da qual, segundo a lenda, descendia a família de Antônio Marinho.16

 

Possivelmente se trata de Maria José de Medeiros, a Babeca, bisneta da indígena Caramucuim-Caramucá, de quem proveram as denominações “babeco” e Caramucuqui, lugar localizado a cerca de 5 km do centro da cidade de Itapetim.

Ora, a partir desses indícios e considerando (como fizemos na primeira parte desse texto) que os Babeco são indígenas Xukuru que resistiram na região de Itapetim/PE, integraram-se às fazendas como vaqueiros (caboclos mansos) e agregados (caboclos brabos) e adotaram a poesia como estratégia de resistência, é possível conceber que

 

Antônio Marinho do Nascimento, o precursor dos repentistas do Alto Sertão do Pajeú, possivelmente era descendente dos indígenas Xukuru

 

Aliás, é o que a pesquisadora Linda Lewin descobriu a respeito do cantador Romano do Teixeira, o precursor da Escola de Poesia de Teixeira17, cuja mãe, Joaquina Maria do Espírito Santo, possuía “ancestralidade mista, Xukuru e africana”18. E é o que o pesquisador Luís Wilson assinala quanto ao cantador João Isidro Ferreira, que “pertenceu à família ‘Babeco’ da vilazinha [Umburanas] em que nasceu naquela época, em São José do Egito”19.

Desconheço se essa foi a intenção com que Ivanildo Vilanova fez esse verso em uma cantoria realizada em 1977 justamente em São José do Egito:

 

Do rio dos crocodilos

Com nervos em pandarecos

Eu saí pra ver aqui

As crianças com bonecos

Acalentadas nos versos

Dos repentistas babecos20

 

Mas de uma coisa sei: são indícios fortes do fato de que os indígenas Xukuru não apenas estiveram mas sobretudo estão aqui, inclusive como proeminentes compositores desse modo de vida que chamamos Sertão do Pajeú.

Cancão, “velho Pajé”21, e Zé Adalberto, Babeco do Juá das Umburanas, não me deixam mentir.

 

 

1 Conferir Alvará Régio de 15/01/1810.

2 Conferir Pedro Baptista, Atenas de cantadores, p. 22.

3 Conferir seu Assento de Óbito no arquivo Teixeira – Livro de Óbitos – Livro nº 1 – fls. 50v e 51 (disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:33SQ-GP92-ZBP?from=lynx1UIV8&treeref=LZJ4-2YC&i=52&wc=9VR5-7MC%3A370142101%2C370142102%2C370803101&cc=2177286.

4 À época em que Marinho nasceu, o atual Município de São José do Egito era a Vila de São José da Ingazeira (por ter sido composta por fazendeiros provindos do atual Município de Ingazeira/PE, que possui o mesmo santo protetor). Todavia, esse poeta é egipciense porque no período da Monarquia a elevação de um Povoado à condição de Vila lhe garantia autonomia administrativa (equivalente à que o Município terá no período da República), o que no caso ocorreu através da Lei Provincial 1260, de 25 de maio de 1877, que elevou o Povoado de São José da Ingazeira à condição de Vila desmembrada da Vila de Ingazeira/PE  – data, aliás, que deve ser corretamente considerada como seu marco emancipatório – a exemplo do que ocorre com o Município de Teixeira, cujo marco emancipatório é 29 de agosto de 1859, data em que o Povoado foi elevado à categoria de Vila desmembrada da então Vila de Patos/PB.

5 Ivo Mascena Veras, Antônio Marinho, p. 33 e 91.

6 Conferir Diário de Pernambuco de 18 de janeiro de 1950 – cfr. tb. Diário de Pernambuco de 21 de agosto de 1946 (sobre o início do projeto de confecção do busto).

7 Conferir Átila Almeida e José Alves Sobrinho, Dicionário..., p. 155, 177 e 210. Cfr. tb. Francisco das Chagas Batista, Cantadores e poetas populares, p. 58.

8 Ivo Mascena Veras, Antônio Marinho..., p. 30, 33 e 91.

9 Rogaciano Leite, O cantador Antônio Marinho, p. 82.

     10 Francisco das Chagas Batista, Cantadores e poetas populares, p. 173. Marinho recorda esse rito de passagem no cordel Encontro de Antônio Marinho com José Duda no Recife em 1915 - Disponível em http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/DocReader.aspx?bib=Literatura%20de%20Cordel%20-%20C0001%20a%20C7176&pesq=marinho%20duda.

       11 Rogaciano Leite, O cantador Antônio Marinho, p. 87, nr 5.

       12 Rogaciano Leite, O cantador Antônio Marinho, p. 81 e 77.

      13 Zé Marcolino, Cantadores, prosas sertanejas e outras conversas, p. 69 – grifei. Zé Marcolino compôs diversas músicas gravadas por Luiz Gonzaga, como Numa sala de reboco, Cacimba nova, Cantiga de vem-vem, Pássaro carão, Saudade imprudente e Serrote agudo.

     14 Ivo Mascena Veras, Antônio Marinho..., p. 116. O historiador itapetinense Marcos Nunes Costa assinala que “nas Umburanas habitavam nessas terras os índios Babicos” (Itapetim: cidade das pedras soltas, p. 39).

       15 Ivo Mascena Veras, Antônio Marinho..., p. 99, 119 e 124-125.

       16 Raimundo Araújo, Cantador, verso e viola, p. 38, nr 2.

       17 Conferir Linda Lewin, Who was “O grande Romano”? Genealogical purity, the indian “past”, and whiteness in Brazil’s northeast backlands (1750-1900). CLIO, n. 25-1, 2007, p. 83-143.

       18 Linda Lewin, Who..., p. 99.

       19 Luís Wilson, Roteiro de velhos cantadores e poetas populares do sertão, p. 205.

      20 Ivanildo Vilanova, estrofe transcrita de Ivanildo Vila Nova e Diniz Vitorino – São José do Egito – 1979 | Série “Cantorias Raras” – Canal Balcão de Bodega / Gilberto Lopes – Disponível no em: https://www.youtube.com/watch?v=uNxdIWKmvgg (a partir do momento 37:37).

     21 Conferir Lydia Brasileira, Cancão, velho pajé: a cura pela poesia (Posfácio), em: SOUZA, Karlla Christine Araújo; CAMPOS, Lindoaldo; ZUBEN, Marcos de Camargo von (Orgs.). Cancão: a lua, o sol dos mendigos – Estudos críticos sobre o pássaro-poeta do Pajeú. Mossoró: Ed. UERN, 2013. p. 176-182.