quarta-feira, 28 de abril de 2021

O dia em que o Pajeú foi bater em Itamaracá (PE)

 Lindoaldo Campos

Mestrando em História dos Sertões

Membro do CPDoc-Pajeú

 

 Você consegue identificar a área em cinza nesse mapa?

 


Aí é fácil demais, Junhinho: é o Alto Sertão do Pajeú, onde ficam os municípios de Afogados da Ingazeira, Brejinho, Iguaraci, Ingazeira, Itapetim, Santa Terezinha, São José do Egito, Solidão, Tabira e Tuparetama.

Certo: essa foi moleza. Mas aproveito pra dizer que desde 2017 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – adota a seguinte divisão geográfica para Pernambuco: Mesorregião Metropolitana do Recife, Mesorregião da Mata, Mesorregião do São Francisco e Mesorregião do Sertão (“meso” é uma palavra grega que significa “no meio”, “interno”).

Por sua vez, a Mesorregião do Sertão se divide em quatro Microrregiões: Araripina, Salgueiro, Moxotó e Pajeú.

E o Pajeú ainda se divide em Baixo, Médio e Alto Pajeú, onde ficam os municípios que listamos no começo.

E aí chegamos aonde eu queria: E se eu lhe disser que boa parte da região do Alto Sertão do Pajeú nem sempre foi de Pernambuco? E digo logo: também nunca foi da Paraíba. Aí pegou, né?

Pois é: o Alto Sertão do Pajeú já foi de Itamaracá. Da Ilha não, que a Ilha é de Lia. O Alto Sertão do Pajeú já foi da Capitania de Itamaracá.

 

Lia de Itamaracá - Ciranda sem fim (2019)


 Quer ver, veja esse outro mapa:

 

Achou?

Pois vamos dar uma aproximadinha e destacar:

 


Agora repare de novo o mapa lá do começo.

Pois bem: essa é a “proposta do novo mapa das capitanias hereditárias” apresentada por Jorge Pimentel Cintra, Professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, no artigo Reconstruindo o mapa das Capitanias Hereditárias, publicado em 2013 nos Anais do Museu Paulista (https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142015000200011&lng=pt&tlng=pt).

Cabra sabido danado que analisou latitudes e longitudes, graus e coordenadas, pelejou foi muito e fez uma revisão dos mapas anteriores, considerando que “refletem o estado de desenvolvimento da ciência histórica”. E disse mais:

 

Um mapa, por mais belo e histórico que seja, e por mais louvado que tenha sido, não pode ser considerado simploriamente como um retrato fiel da realidade, uma fotografia da época: como qualquer documento histórico, deve ser lido com cuidado e sentido crítico.

 

Aí você pergunta: Mas então quando foi que o Alto Sertão do Pajeú passou a ser de Pernambuco?

Aí é que está a história:

Quando o Brasil era uma colônia (de Portugal), o sistema de administração dessa terrona toda (e doutras mais, como a Ilha da Madeira – mesmo essa, onde nasceu Cristiano Ronaldo) foram as capitanias hereditárias.

Funcionava assim: Portugal dava a alguns particulares (a maioria membros da pequena nobreza chamados de donatários ou capitães, pois administravam uma... capitania) o direito de repartir as terras, fundar povoações, cobrar impostos e administrar a justiça. E tem mais: como eram hereditárias, passavam para os filhos. Ou seja: os gajos da c’roa garantiam a posse, a ocupação e a exploração das colônias sem gastar um tostão furado com isso.

Sempre capengando, esse sistema funcionou formalmente de 1534 a 1759, quando Sebastião José de Carvalho e Melo foi chamado pra botar ordem no negócio: era o Marquês de Pombal (1699-1782), que deu fim às capitanias hereditárias com o objetivo de centralizar e controlar ainda mais a administração. Só pode: todas foram um fracasso, tirando as de Pernambuco, Porto Seguro, Ilhéus e São Vicente – em que prosperou a lavoura de cana-de-açúcar e seus donatários-capitães conseguiram manter os colonos e estabelecer alianças com os indígenas.

Sebastião José de Carvalho Marquês de Pombal
(1699-1782)


Mas o tino de Pombal era esse mesmo: absolutista-iluminista, queria fortalecer o poder do rei e ao mesmo tempo fazer reformas para acompanhar os países mais adiantados – e por isso expulsou os jesuítas do Brasil, não só pra confiscar as propriedades da Igreja, mas também pra coroa controlar ainda mais as regiões administradas pelos religiosos e realizar uma profunda reforma educacional.

Aliás, é mesmo dele que vem o nome do Município de Pombal, o primeiro núcleo de habitação do sertão paraibano (já era vila em 1766!), terra de Leandro Gomes de Barros (1865-1918), um dos primeiros e mais produtivos cordelistas do Brasil, que aprendeu muito na Academia de Teixeira, andou pelo Pajeú e foi bater em Recife.

Mas aí a gente já está no lá sertão da Paraíba e você pergunta de novo: E o que o Alto Sertão do Pajeú tem a ver com isso tudo?

Tem razão. Pois lá vai mais história: como dissemos, o sistema de capitanias funcionou formalmente até 1759, porque apenas em 28 de fevereiro de 1821 a maioria das capitanias tornaram-se províncias e, com o advento da República em 1889, as províncias (governadas por presidentes) passaram à atual denominação de estados (governados por... governadores).

Quanto ao nosso querido Alto Sertão do Pajeú, o desfecho foi o seguinte: em 1763, a Capitania de Itamaracá foi extinta porque Ana Josefa faleceu sem deixar nenhum filho. Mas como assim? Ora, D. Ana Josefa da Graça Noronha Ataíde e Sousa era a Marquesa de Cascais, filha de D. Francisco Xavier Rafael de Meneses, Marquês de Louriçal (é assim mesmo, com c cedilha) e derradeiro donatário da Capitania de Itamaracá.

Aí, como não havia herdeiro que herdasse a capitania hereditária, a Capitania de Itamaracá foi resgatada pela Coroa Portuguesa, que por fim permitiu que seu território fosse anexado à Capitania de Pernambuco (Nova Lusitânia, de luso, o povo português) – o que incluiu a região que hoje corresponde ao Alto Sertão do Pajeú.

Mas e a Paraíba que não aparece no mapa de Jorge Cintra? Bem, com a extinção da Capitania de Itamaracá, praticamente todo o seu território passou a configurar a Capitania da Paraíba, que (assim as capitanias do Rio Grande e do Ceará) por orientação do Marquês de Pombal estava anexada à Capitania de Pernambuco desde 1755, situação que durou formalmente até 1799.

Mas isso é outra história. Por enquanto, vamos encerrar com o Alto Sertão do Pajeú, pois segundo o pesquisador Leonardo Dantas Silva, “o território pernambucano ao Norte é hoje resultante dessa incorporação [da Capitania de Itamaracá], fazendo assim limites com a Paraíba e o Ceará, com alguns ajustamentos que se seguiram” (Pernambuco: imagens da vida e da história, p. 77).

Pois é, poeta: de 1534 a 1763 (229 anos, pelas minhas contas), o Pajeú bateu em Itamaracá. Espiritualmente, a agora sabemos até geográfica e historicamente, o feiticeiro do rio até hoje ciranda na pedra que canta.

E ô Pajeú véi pra ter história!!!